Nos últimos tempos entra-se nos países árabes com medo. Poderia dizer isto de uma forma mais "adequada", mas é medo que se sente quando damos por nós rodeados por multidões em férias, as mulheres cobertas para lá dos dentes e os homens iguaizinhos aos retratos dos bombistas suicidas da televisão. É com alívio que se avista aqui e ali um europeu perdido, ele próprio com ar receoso....
Depois a coisa passa. Agradamo-nos da limpeza do interior das casas modestas, da forma delicada e prestável como falam connosco. Reparamos na delicadeza dos tecidos e na dificuldade do ritual do chá. E, mais importante de tudo, que são pessoas exactamente como nós, melhores em muitos aspectos, iguais ao que nós éramos 30 anos antes, noutros. Não há grande diferença entre a Maria Cavaco Silva de véu diante do Papa e a mulher que se esconde por detrás do lenço. As duas estão convencidas de estarem a fazer "a coisa certa". E estão, de alguma maneira.
Quanto mais viajo pelos países pobres, muçulmanos ou outros, mais me convenço de que a Europa perdeu alguma coisa no trajecto para a prosperidade. A começar nas pessoas.
Enquanto passeio pelos ruas estreitas, no meio de carpinteiros e alfaites que lutam para se manter vivos e dignos, penso em Bush, criado na riqueza republicana. E pergunto-me por que razão tomamos, inconscientemente, para nós o medo ignorante dele e dos que são como ele.
Na verdade, a brevidade da vida deveria fazer-nos repetir Inshallah (está tudo nas mãos do Destino).
O nosso único medo permitido deveria ser o de não ter vivido.

4 comentários:
Esse medo "dessa gente" que nem conhecemos verdadeiramente. Medo que Bush e companhia têm tido prazer em imlpantar.
E vem o preconceito. E distância. De povos que, até historiamente, estão tão próximos.
Pois sim, o velho mito do 'Outro', o desconhecido que por sê-lo é sempre ameaçador e, porque não, conveniente tela de projecção do que sobra do lado de lá da linha que traça a fronteira entre o bem -lado de cá - e o mal. Herói e anti-herói. Sempre essa linha a desmembrar o que é complexidade humana, e o homem a guardar o melhor de si para si, o pior de si para o Outro - ele que mais não é que o reflexo de uma mesma humanidade que se desdobra como se não fosse una.
Estamos próximos, sim. E a terra é redonda, pelo que existe apenas um lado - e nós estamos todos nele, a olhar e a apontar o dedo para o espelho. E sim, também me parece que perdemos qualquer coisa no trajecto para a prosperidade. Pode bem tratar-se da prosperidade per se... mas esperemos que não.
Cumprimentos ;)
Ágata C. de Pinho
Acabo de chegar de Teresina Piauí, com a sensação que tu descreves tão bem. Post inspiradissimo, amigo. Grande abraço
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